Após viral sobre PIX, Nikolas Ferreira aparece entre maiores anunciantes na Meta para vender cursos sobre política
Pois é, brasileiros...a gente olhando impávido lá para os Estados Unidos, enquanto aqui seguimos sendo atropelados pela desregulamentação das redes sociais
Olá, meus amigos! Como estão?
Por aqui, aquela sensação de estar vivendo uma transição daquelas que marcam os livros da história. A posse de Donald Trump para o seu segundo mandato foi aquele filme de horror, com algumas pitadas de comédia, como a participação de uma família brasileira que acha que Trump se importa com eles enquanto lança contra os latinos todas as suas armas.
Mas nós também não temos um segundo de paz. Estamos vivendo um Lula III, governo eleito com sabor de governo popular, com deputados usando seu poder e influência para tentarem dinamitar o governo. Há aqueles que acham que isso faz parte do jogo político, mas eu sou um pouco mais conservadora ao interpretar isso.
Explico: não vivemos mais a política como ela era em Lula I e II. Estamos na era do marketing de influência, dos influenciadores digitais e da bancada da selfie. Isso faz com que disputas políticas ganhem o debate público de forma enviesada e completamente anômala, como aconteceu no célebre caso das fake news sobre o PIX. Existe algo capaz de mudar minimamente esse cenário?
Claro que sim…mas não sem a regulamentação das redes sociais e sem uma reforma no interior da Câmara. Deveria ser proibido, por exemplo, um deputado impulsionar conteúdo, isso é sempre promoção pessoal, não se trata de divulgação de atividades do mandato. Deputado exercer atividade de influenciador digital? Proibido também, você não deveria poder usar um cargo público sério para alavancar suas atividades pessoais. Dito isso, vamos ao noticiário da semana.
Imagem criada por Inteligência Artificial
1 - De Olho Neles
Viralizou e quis lucrar - Nos últimos 90 dias, Nikolas Ferreira (PL) sequer aparecia entre os principais impulsionadores de conteúdo no Facebook e Instagram no Brasil, relação então liderada por Pablo Marçal, com mais de R$ 1,7 milhões investidos para fazer seu conteúdo chegar a mais gente.
Há um mês, ele passou a figurar entre os 20 maiores impulsionadores, estava em 18º. Há uma semana, subiu para sétimo. Ontem, já era o quinto maior impulsionador segundo os relatórios da Biblioteca da Meta. Os dados consideraram anúncios feitos até o dia 20 de janeiro.
Na verdade, quem impulsiona o conteúdo do Nikolas não é ele próprio, mas a empresa a Destra Cursos LTDA, que tem, na sociedade, Nikolas, Arthur Torres de Assis e Ivens Henrique Grahl Ribeiro. Localizada na cidade de Goiânia, a empresa tem como atividade principal o comércio varejista de livros. A Destra está bancando dois anúncios na página do deputado no mês de janeiro.
A Destra investiu R$ 71,9 mil no perfil do político nos últimos 30 dias. O impulsionamento não foi na página da empresa, mas na do deputado. O objetivo é facilmente identificável para quem trabalha com marketing digital: Nikolas é um influencer que ganhou reputação após seu vídeo atingir mais de 300 milhões de visualizações somente no Instagram. Sua rede já tem um alcance orgânico, impulsionar seus conteúdos é uma forma assertiva de “ganhar leads”, como se fala no jargão marqueteiro. A empresa e o parlamentar surfam na popularidade política em uma polêmica forjada na esteira de fake news para captar clientes e manter seu caixa em dia.
Dois anúncios iguais - Nikolas tem dois anúncios ativos na plataforma, ambos direcionam para um site em que, em letras garrafais, há uma mensagem em fundo preto: “A verdade que eles NÃO querem que VOCÊ saiba!”. Em vídeo, o deputado conta que sua plataforma de cursos está sendo atacada pelo jornalismo para silenciá-lo, em uma história conspiratória na qual insinua que repórteres chegaram a pedir demissão para não produzirem materiais críticos sobre seus cursos.
A plataforma é o produto à venda: um curso para “destruir as narrativas da esquerda e nunca mais ser manipulado”. O post patrocinado no Facebook, que remete a essa mensagem de Nikolas, também diz que alguém, que ele chama de “eles”, “têm medo do que vai acontecer quando mais pessoas tiverem acesso ao Cristão e a Política".
O texto patrocinado também traz os emojis como recurso de marketing:
📖 Medo de você aprender a identificar as mentiras.
🎯 Desmascarar as narrativas.
✊ Defender os valores que estão sendo atacados.
❌ Primeiro, compraram meu curso e assistiram todas as aulas para tentar me derrubar.
❌ Depois, derrubaram meu site.
❌ Agora, tentam calar até você.
Essa é a chance de fazer parte desse movimento que está incomodando tanto.
O anúncio atingiu praticamente o dobro a mais de homens do que de mulheres e foi mais exibido em nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, mas também atingiu em cheio a região sul, considerada mais bolsonarizada.
Guerra - “Se querem guerra, vão ter guerra", diz Nikolas no vídeo, antes de anunciar uma “super oferta” do curso “O Cristão e a Política". Ele sugere que os cursos também são uma preparação para 2026 e terminam com um botão que vende as aulas da plataforma de Nikolas de R$685 por R$497. O site que vende os cursos também traz mensagens como “Política não é partido, é influência” e botões com a sentença “Quero ser a Luz no Mundo” que te levam diretamente para a página de ofertas.
2 - Vi no Jornal
Não é novidade - Que Nikolas vende cursos para supostos cristãos e suspostos políticos, isso não é novidade. Seria novidade se ele viesse a público, em algum momento, revelar que ele usa seu cargo de deputado para escalar suas vendas em uma empresa que tem capital de R$ 300 mil, opta pelo Simples e foi fundada em setembro de 2022, um mês antes de Nikolas se eleger como deputado mais votado do país, com 1,47 milhões de votos.
Há bons materiais jornalísticos sobre o assunto. Um deles é esse aqui, utilizado por Nikolas para mostrar aos cristãos que o jornalismo quer calá-lo. Outro é esse aqui, que também rendeu uma ótima conversa entre o repórter, Rodrigo Ortega, e o jornalista José Roberto Toledo.
Em Santa Catarina - Num estado mais ao Sul, também conhecido como minha Santa Catarina, há condutas semelhantes. A Livraria Campagnolo tem mais de 21 mil seguidores no Instagram e em 2022 já anunciava promoções com o rosto da deputada estadual Ana Carolina Campagnolo. O site vende “obras” panfletos ideológicos como o “Guia de bolso contra mentiras feministas" com desconto - de R$ 37,90 sai por R$ 20,09.
3 - Craque do jogo
Os deputados Chico Alencar e Tarcísio Motta são os autores do Projeto de Lei 672/24, que está atento a essa nova dinâmica da política. Eles querem proibir políticos de serem remunerados pela divulgação de conteúdos, como publicações em redes sociais, incluindo áudio e vídeo, relacionados ao exercício do mandato ou produzidos com recursos públicos. O projeto também proíbe que políticos recebam receitas em função de conteúdo produzido com emprego de recursos públicos. Está tramitando na Comissão de Administração e Serviço Públicos.
Chico Alencar explica que a ideia é defender a própria atuação parlamentar, que tem de ser de caráter exclusivamente público. “A remuneração e as condições para exercício de mandato que temos, muito boas, visam garantir isso, que você não precise de outros modos e meios de auferir recursos", comenta.
O parlamentar lembra que quem faz isso está, na verdade, promovendo uma indevida parceria público-privada do próprio mandato, privatizando-o, tentando ter ganhos adicionais a partir do que deveria ser o espírito público.
“É inaceitável, é antiético. Na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a partir do episódio de um vereador que monetizava, fazia lacração, fazia ‘experimentos sociais’, entre aspas, e que acabava ganhando muitos patrocínios com isso, nós aprovamos o fim dessa monetização espúria". Alencar se refere ao mandato cassado de Gabriel Monteiro, que era influencer nas redes sociais e produzia conteúdos que expunham cidadãos a constrangimentos, entre outras coisas.
“É preciso separar a atividade pública da atividade particular e privada sob pena de comprometê-la", sintetiza Alencar, que também pensa que, sendo aprovado, o projeto também deve inibir os parlamentares que têm milhões de seguidores e que ganham recursos com isso ou mesmo com campanhas de arrecadação como aconteceu quando o ex-presidente Jair Bolsonaro precisou pagar multas à justiça eleitoral. “Isso é uma depravação, uma deteriorização, um desvirtuamento da atividade parlamentar".
4 - Deu ruim
Big Techs deram bolo - E no meio desse debate ainda precisamos discutir e redefinir o papel das plataformas e das big techs no meio disso tudo. Só que parece que elas não estão muito a fim de discutir o tema conosco, tanto que deram um bolo na Advocacia Geral da União. O debate técnico chamado pelo órgão que representa o governo federal reuniu especialistas e representantes de diversas organizações da sociedade civil, mas não contou com as empresas Meta, Google, X e TikTok.
Zambelli e curta - Enquanto isso, os parlamentares seguem utilizando as redes como forma de exercer seu mandato paralelo. Carla Zambelli, por exemplo, achou de bom tom bancar com dinheiro público um “curta metragem” (sic) sobre seu mandato. Não apareceu entre os indicados ao Oscar.
Carro alugado - Levei para o X mais um conteúdo das tabelas mágicas que meu amigo construiu para analisarmos os dados dos gastos parlamentares em 2024. Uma empresa de locação de veículos foi a quarta principal fornecedora dos gabinetes da Câmara de Deputados em Brasília, atrás apenas de três companhias áreas.
A Pantanal Veículos, de Brasília, recebeu cerca de R$3,3 milhões em 2024. Dos 15 deputados com maiores gastos, cinco são do PL.
Um Hilux locado em setembro pelo Coronel Chrisóstomo (PL/RO) custou R$ 9 mil só naquele mês. Já Silvia Waiapi (PL/AP) prefere andar de Compass, com um mês custando R$6,5 mil.
Reforma pouco administrativa do Jorginho Mello - Foi muito política e pouco administrativa a reforma anunciada pelo governador de Santa Catarina no seu secretariado, que deve ser confirmada nesta sexta-feira. Os nomes que circularam na imprensa, no entanto, trazem algumas surpresas, a serem confirmadas.
Kennedy Nunes saiu de um salário de R$40 mil no Departamento de Trânsito para assumir a Casa Civil, que é porto seguro do filho de Jorgilho, Felipe Mello.
E o ex-prefeito de Balneário Camboriu, Fabrício Oliveira, ficou de fora do alto escalão e chutou o balde, como contei nessa fofoquinha ardilosa aqui, que envolve o Jair Renan Bolsonaro e sua expulsão do grupo do zap do PL na região.
Tem outras coisas que queria falar envolvendo a nova gestão da Comunicação do governo (que agora terá Bruno Oliveira, do TikTok Topázio para o Jorginho), mas vamos deixar para as próximas cartinhas.
5 - Considerações afinais
Termino essa cartinha emocionada com a celebração do cinema e da arte brasileira, coroados pela indicação de Ainda Estou aqui e da sua protagonista, Fernanda Torres, ao Oscar. Eu confesso que chorei de emoção, porque essa história jamais poderia ser esquecida, porque é a história de uma mãe contada por um filho, porque é a história de um período que nos deixou marcas que seguem tentando ser ocultadas por revisionistas e populistas políticos. Porque é a história de um homem cujo corpo nunca foi encontrado. Um corpo torturado e assassinado brutalmente.
Me emociona escrever esse texto porque poderia ter sido meu avô, humilhado pela ditadura na pequena Araranguá, onde perdeu seu emprego público acusado de ser comunista e tirado da sala de aula onde lecionava por policiais após uma denúncia anônima que nossa família sabe de onde veio. Meu avô voltou para casa, seguiu trabalhando como advogado e morreu velhinho, indenizado. O Rubens não voltou.
Precisamos ser incansáveis na busca por justiça, é essa a mensagem que fica.
Até a próxima, pessoal!