Bolsonaristas odeiam mulher e crianças mas são a favor da vida?
A inversão no debate público sobre o direito das mulheres de não quererem gerar filhos de um estuprador precisa ser denunciada com seriedade
Oi, pessoal!
Voltei de Córdoba e estou nos meus últimos dias de férias, mas, como todo brasileiro crítico nesse país, não consigo descansar de um país com tantas crises. Entre o mal estar diário que a "bancada da selfie” nos provoca, um em especial trouxe à tona seu modus operandi essa semana: a aprovação da urgência no projeto que equipara aborto de gestação acima de 22 semanas a homicídio, criminalizando, VEJAM SÓ, crianças abusadas e que descobrem a gravidez tardiamente.
Vamos ver do que se trata?
1 - Deu ruim
Homens querem legislar contra mulheres - Apesar de ter apenas 1/5 de representação feminina, a Câmara Federal conta com 142 processos legislativos sobre aborto em tramitação. Os deputados do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, o PL, são os que mais assinam atividades legislativas com esta palavra na Câmara - são 120, contra 57 do PT e 28 do PSOL. A extremista Chris Tonietto é a que mais aparece em autoria ou co-autoria de pautas nesta linha, com 12 menções.
Na Câmara Federal, o movimento contra a defesa dos direitos das mulheres ocorre, por exemplo, em projetos de decreto legislativos que pedem a suspensão de documentos legais, como notas técnicas do Ministério da Saúde.
Punição para pretas pobres - Os parlamentares conservadores também buscam reformas e mudanças no código penal, solicitando aumento de punição para mulheres que realizam o aborto e para médicos. O deputado Helio Lopes (PL) sugere reclusão, de quatro a 12 anos para mulher que praticar o aborto e de oito a 18 anos para aborto provocado por terceiros. Na justificativa, diz que as penas "abstratamente previstas não condizem com a gravidade dos crimes perpetrados".
Um estudo da antropóloga Débora Diniz publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva em 2023 indica que as mulheres negras apresentam uma probabilidade 46% maior de fazer um aborto, com relação às mulheres brancas. "Indicadores como tempo para o início do atendimento ou acesso a um leito são racialmente diferenciados. As mulheres negras são também as que têm mais medo de represálias ao buscar os serviços de saúde".
Obviamente, os projetos dos bolsonaristas pró-família também ignoram que, em média, 38 meninas de até 14 anos se tornam mães a cada dia no Brasil, o que pode tornar a criminalização do aborto após as 22 semanas ainda mais desumano e fora de lógica.
Fora da realidade - Os projetos apresentados pelos conservadores ignoram as dimensões mais complexas da saúde e da vida da mulher nas situações do aborto. Um projeto da extremista Carla Zambelli, semelhante a outros que tramitam - na casa, fala em assegurar aos nascituros máxima proteção, "impedindo que possa o Poder Judiciário extrapolar, neste aspecto, aquilo que o povo brasileiro decidiu através de seus representantes eleitos e positivado em lei".
Outro documento mais recente, assinado por diversos parlamentares, entre eles Eduardo Bolsonaro, diz que "a gestante, seu companheiro e núcleo familiar são, de fato, vítimas dos mercenários da morte, que enriquecem com o sangue de inocentes".
Imagem criada por inteligência artificial
2 - Craque do Jogo
Érika Hilton (de novo) - Se os deputados conservadores têm utilizado o aborto como forma de restringir os direitos da mulher e à saúde da mulher, também há movimentos de resistência na Câmara Federal. Entre os projetos apresentados em prol da vida das mulheres, está, por exemplo, o da deputada Erika Hilton (PSOL), que dispõe sobre a obrigatoriedade de oferta de informações sobre aborto legal nos serviços públicos que atuem junto às vítimas de violência sexual. "É dever do Estado disseminar informações úteis e que, de fato, cheguem a todas mulheres, crianças e pessoas que gestam viabilizando a cada uma delas o pleno exercício de seus direitos", justifica.
3 - (Não) Vi no jornal
Violência contra professores - A deputada estadual Luciane Carminatti (PT) apresentou na Assembleia Legislativa de SC (Alesc) uma pesquisa que vai monitorar casos de perseguição e violência contra os professores. O estudo será feito a partir do site onveuff.com, do Observatório Nacional da Violência contra Educadoras/es, vinculado à Universidade Federal Fluminense (UFF). Para participar, é necessário clicar no ícone “participe da pesquisa” e responder o questionário.
A Alesc tem, hoje, uma deputada que costuma tratar do assunto sob o outro ponto de vista - de quem intimida e constrange docentes. Para quem não se lembra, falei disso aqui.
Imóveis a venda - Ainda na Alesc, passou o projeto de lei proposto pelo governador Jorginho Mello para a venda de imóveis públicos. Não sabemos quais, não sabemos onde e não sabemos para que, só sabemos que é público, e, portanto…NOSSO. A falta de oposição e a subserviência da imprensa continuam deixando Santa Catarina um lugar autoritário e perigoso para os democratas. O projeto foi tratado como “cheque em branco” pelo deputado do PSOL, Marquito.
4 - De olho neles
Propaganda nada gratuita - Algumas pessoas já tinha me contado e eu vi com meus próprios olhos a nova propaganda eleitoral do PL de Santa Catarina, tentando surfar na imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro. Uma das imagens da propaganda é a da última visita festiva de Bolsonaro ao Estado, em abril, quando, em horário de expediente, circulou em carro aberto com o governador Jorginho Mello, a vice-governadora e comitiva de papagaios. Já perguntei mais de uma vez quanto isso nos custou. Vergonha na cara ninguém tem: gravar propaganda em horário de trabalho e cabular trabalho para passear, pode?
Universidade nada gratuita - Estava lá escondida no Diário Oficial do Estado uma publicação mostrando que houve irregularidades no processo seletivo de bolsistas do projeto Universidade nada Gratuita. O projeto que é orgulho do governador do Estado continua sendo uma grande incógnita do ponto de vista da transparência pública, já que as instituições de ensino que recebem milhões dos cofres públicos simplesmente não mostram onde esses valores estão sendo investidos. Enquanto isso, imprensa e órgãos de controle fingem nada ver.
Crimes do passado e do presente - A bancada da selfie e da lacração chamou e o ministro da reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, esteve no Congresso respondendo a parlamentares sobre seu combate a fake news sobre a tragédia vivida pelo estado. Chamou atenção o fato de ele ter lembrado como as bolsonaristas Carla Zambelli e Bia Kicis atuavam no ramo das fake news há bastante tempo, já na época do incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria. Vale a pena ouvi-lo.
Dois que valem por meio - Prioridades, né pessoal? Fui vasculhar projetos dos extremistas da selfie catarinenses recentemente envolvidos em barracos na Câmara dos Deputados e qual não foi minha surpresa ao verificar que eles trabalham muito pouco com o que devia lhes manter ocupados?
5 - Considerações afinais
Diretamente do veranico de maio, me despeço de vocês lembrando que esse ano tem eleições. E que se o tema principal dessa newsletter foi a triste aprovação de urgência em um projeto não só pouco urgente como perigoso às mulheres e crianças, o tema em segundo plano é a importância de elegermos pessoas que nos representem de fato e de direito.
Escolha seu candidato de forma racional, centrado não só na biografia, mas naquilo que ele pode levar de bom para a sociedade. Menos bancada da selfie e mais bancada de gente, pra gente.
Volto na próxima semana ;-)