Censura e passada de pano na semana do judiciário (e nem tô falando do Xandão)
Escrevo essa newsletter já com saudades do Twitter, essa rede que virou X e deixou de nos merecer
Oi, gente!
A edição de hoje é escrita ontem. Sim, eu estou escrevendo essa carta precisamente às 17h15 de quinta-feira, sem saber se daqui a três horas, mais ou menos, meu megafone será desligado (Update: acordei antes das 7 A.M e ainda está lá o menino Twitter).
O Twitter vai me fazer muita falta, por muitos motivos, mas sejamos justos: não dá para aceitar que uma empresa dite como deve ser a legislação de um país e tampouco que desrespeite medidas de combate à desinformação que influenciam diretamente na nossa democracia.
E por falar em democracia, o assunto principal da newsletter hoje é o impacto do judiciário nos nossos direitos de falar, de votar, de cobrar. E não, não estou falando do Alexandre de Moraes e do Twitter. Meu assunto é local. Vem de barra de rolagem que eu te conto.
Imagem criada por Inteligência Artificial
1 - (Não) Vi no jornal
Censura - A 2ª Turma Recursal do juizado especial de Santa Catarina censurou uma postagem do jornalista Leonel Camasão sobre um caminhão com drogas apreendido pela Polícia Federal, que à época seria de propriedade da família do senador bolsonarista Jorge Seif. O conteúdo foi publicado em abril de 2023, repercutindo uma notícia de um veículo local que não chegou a ser processado pelo senador. Camasão, que hoje é candidato a vereador em Florianópolis pelo PSOL, também foi condenado a pagar R$6 mil a Seif. Sua defesa irá recorrer.
Em dezembro do ano passado, o juiz substituto Yves Luan Carvalho Guachala havia negado tanto o pedido de censura quanto a indenização de R$10 mil solicitada pelo senador. Na sentença, o magistrado dizia que "a liberdade de expressão em sentido amplo é um direito fundamental" e considerava que a informação repercutida pelo jornalista é "proveniente tanto do meio jornalístico como de ato de autoridade pública, o que afasta um intuito deliberado de ofender despropositadamente".
Liberdade relativa - No acórdão da 2ª Turma Recursal, no entanto, assinado no dia 27 de agosto, a magistrada Margani de Mello destaca que a liberdade de expressão não isenta cidadãos de responderem pelos seus atos se demonstrada "vontade deliberada de expor e ofender a intimidade, a honra, a vida privada e/ou a imagem do ofendido".
No voto, ela afirma que a notícia que baseou a postagem de Camasão "tem estrito conteúdo informativo", mas que a interpretação e difusão pelo jornalista "evidencia já pelo título o nítido caráter sensacionalista, buscando induzir seus seguidores a associar a prática do crime de tráfico à pessoa do postulante".
Não pode opinar? - Na postagem, que ainda está no ar, o jornalista descreve o conteúdo da notícia, inclusive destacando a defesa do próprio senador, que negou ser proprietário do caminhão apreendido e afirmou que o veículo teria sido vendido no ano anterior.
"Eu não sou o autor da reportagem e a notícia saiu em todos os portais locais e nacionais. Estranhamente, só eu fui processado, talvez por ser militante do PSOL e alvo de assédio judicial de diversos bolsonaristas", afirmou o jornalista na rede X. Ele é processado pelos bolsonaristas Luciano Hang e Julia Zanatta por outras postagens.
"Em nosso entendimento, a decisão vai contra precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre as liberdades de expressão e de comunicação jornalística, viola tratados internacionais que o Brasil é signatário e viola, ainda, precedentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos", afirma,
Repercutir não é crime - Camasão se refere a discussões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que apontam que não se deve responsabilizar quem reproduz, de boa-fé, informações já publicadas por outros veículos e que sejam de interesse público.
Na década de 1990, após a condenação de um jornalista que repercutiu no seu país informações sobre condutas ilegais de um diplomata que estavam sendo veiculadas na imprensa europeia, a corte definiu que a prática era incompatível com a liberdade de expressão, pois a ele não cabia provar a verdade daquilo que já era divulgado por outros.
Defensor da liberdade dele e dos amigos - Nas suas redes sociais, o senador Jorge Seif costuma tratar da pauta da liberdade de expressão como uma bandeira do seu mandato. Em novembro de 2023, registrou vídeo na Rede X dizendo estar nos Estados Unidos para denunciar "violação da nossa liberdade de expressão", consideradas por ele "ameaça real" à democracia e Constituição Federal. Além disso, chamou de censura um pedido de investigação da Advocacia Geral da União com base em declarações de Alexandre Garcia durante as enchentes do Rio Grande do Sul.
"Iremos acionar todas as instâncias possíveis para reverter o que consideramos um erro e uma injustiça não apenas contra mim, mas contra todos os jornalistas do país", finalizou Camasão.
2 - Deu ruim
A casa é sua, governador - O Tribunal Regional Eleitoral arquivou um pedido do PT para que se investigasse a conduta do governador Jorginho Mello, que recebeu a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro na residência oficial da Agronômica onde havia um banner do PL explícito, que posteriormente foi visto em postagens de correligionários do governador.
O TRE-SC não só não aceitou o pedido, como decidiu advogar pelo governador, passando pano, em ano eleitoral, para eventos políticos supostamente privados e reuniões realizadas em uma casa que é bancada com dinheiro público, ainda que esteja com o locatário democraticamente eleito plantado nela. Claro que isso foi feito com citações de leis, acórdãos e afins, mas tivéssemos uma imprensa menos comprometida com fontes oficiais tenho certeza que eu não seria a única a criticar.
A sessão foi transmitida aqui.
Não perturbe o governador - A decisão me causou particular incômodo. Não só porque fui eu quem postei o print em que o banner aparecia em segundo plano, mas especialmente pelas falas da sessão, que para mim revelaram uma certa displicência, combinada com uma má vontade e uma certa inclinação política em direção ao governador, cujo filho inclusive participava presencialmente da sessão.
Um banner do partido PL foi flagrado dentro da Casa da Agronômica. O mínimo que se devia fazer era investigar: quem o levou para lá? Por que estava lá? Qual a finalidade de estar lá? O governador está usando o espaço para gravar conteúdo político partidário? O PL não tem fundo eleitoral para contratar um estúdio? Isso não fere a isonomia da disputa?
Outra pergunta que não quer calar: e se fosse o Lula usando o Palácio do Planalto para promover seus candidatos e inserindo nele um banner que visivelmente é utilizado como fundo de gravação de conteúdo publicitário?
Reprimenda inadequada - A desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta deu a entender, em sua fala, que não é adequado “admoestar o governador com uma representação criminal, que não encontra ressonância na lei ou no direito". Disse ainda que o pedido de investigação interfere “na normalidade do processo eleitoral”. Usou os termos “desinformação” e “especulação", quase que como uma reprimenda ao pedido.
Mesmo não sendo advogada eu sei que prédios públicos não podem ser usados em campanha política e em eventos públicos político partidários. A foto do banner, por si, pode não provar que houve campanha, mas ainda assim é importante que se investigue por que ele estava lá. Arquivar e reprimir quem solicita uma justa explicação descredibiliza completamente o Tribunal.
Pergunta: se a denúncia viesse de um cidadão, como eu mesma pensei em fazer, o cidadão seria censurado por querer que seu representante máximo no estado não usasse dinheiro público para montar um puxadinho do seu comitê na Casa da Agronômica?
3 - De olho neles
Fundeb para obra turística- A corrente da transparência bolsonarista já passou na sua cidade? A dessa semana parou em Joinville, onde Adriano Silva, do Novo, busca a reeleição em rinha bolsonarista e sem apoio do PL, que banca o Sargento Lima.
Descobrimos que o prefeito usa recursos da educação para a construção de obra turística no valor de R$13,2 mi. O candidato Rodrigo Bornhold, do PSB, já havia comentado isso, mas localizamos o contrato das obras do “Palácio das Orquídeas”. Ainda na quinta, Bornhold chegou a gravar um vídeo com o contrato em mãos diantes da acusação de Adriano de ter lançando uma mentira.
Contrato - No documento, verificamos que quase todas as fontes de recurso são sim da secretaria de Educação, com transferências do Fundeb. Por lei, o Fundeb pode ser usado para reformas e construções de escolas.
O projeto prevê um espaço para atividades escolares. O terreno também é próximo de uma unidade escolar, mas seu projeto é turístico, como o próprio prefeito já admitiu logo que lançou o projeto.
A corrente - Floripa, Canoinhas, Navegantes e Joinville já entraram no nosso radar da transparência pública. Nos próximos dias, vou focar nos candidatos bolsonaristas de número 22, já que até aqui só Canoinhas cumpria esse requisito, embora todos fossem bolsonaristas. Conhece algum candidato à reeleição com número 22 ou apoio direto dos extremistas radicais? Me manda um salve.
4 - Craque do jogo
E eis que finalmente teremos um novo cara no Banco Central. Essa semana, o economista Gabriel Galípolo foi indicado à presidência do BC, para assumir ano que vem. Desde o início do mandato de Lula o nome dele já era considerado o favorito para a indicação, mas ainda terá que passar pelo crivo do Senado.
O atual presidente do BC, Campos Neto, é tido como inimigo do governo Lula por ser ligado ao bolsonarismo. Já foi criticado inúmeras vezes pelo presidente por conta das altas taxas de juros, dentre as maiores do mundo. Com a autonomia do Banco Central, Lula precisou esperar a sua hora de indicar o nome para comandar a casa. Galípolo, se aprovado, terá mandato de 2025 a 2028.
5 - Considerações afinais
Que semana, hein, amigos! A essa hora da manhã será que já sabemos se estamos com ou sem Twitter? (Update: ainda estamos com). Bom, você pode me achar na rede ao lado: Instagram e Thread ou continuar por aqui, com essa newsletter semanal.
Essa semana, tirando as tretas do Lamaçal, também passou quase despercebida por mim, nas ruas e nas redes, a movimentação da campanha na Capital de SC. O que que tá acontecendo? Dei uma olhadinha rápida no debate da NDTV de ontem, mas achei tudo morno, morno…
E antes de me despedir, aproveito também para agradecer as mensagens carinhosas recebidas por conta da audiência de conciliação com a deputada que tenta me censurar e me acusa de calunia-la por usar dados públicos. Obviamente, não oferecemos a ela conciliação por considerarmos os processos assédio judicial. Vamos para novas etapas e contar com vocês é sempre importante ;-)
Abraços e até já já!