Exclusivo: relatório de comitiva de SC aos Emirados Árabes tem uma página
...15 agendas e 30 linhas. Custos não são revelados. Falta de transparência levanta dúvidas sobre passeio do governador que foi antecipado para participar de ato de Bolsonaro na Avenida Paulista.
Oi, pessoal!
Hoje não teremos a newsletter no seu formato tradicional, mas temos um conteúdo exclusivo feito a partir de uma apuração colaborativa com os amigos da rede eX-Twitter e de um questionário remetido ao governo de Santa Catarina pela Lei de Acesso à Informação (LAI) para saber os custos de uma viagem oficial fartamente divulgada e documentada, mas antecipada arbitrariamente pelo governador Jorginho Mello para adular o ex-presidente Jair Bolsonaro. Vamos comigo? Já aviso: seguimos com mais perguntas do que respostas.
Uma página com gosto de desrespeito ao cidadão
No jornalismo, chamamos de lead o primeiro parágrafo da notícia, aquele em que narramos o principal fato da pauta. Nesse caso, nada sintetiza mais as “respostas” do governo ao nosso questionário do que isso: o relatório de uma comitiva QUE NÃO SABEMOS QUANTO CUSTOU, mas sabemos que não foi pouco, tem apenas uma página, com 30 linhas displicentes sobre os motivos da viagem e seus impactos aos cidadãos.
Veja: a notícia sobre a viagem informava em letras garrafais que a comitiva buscava “parcerias e investimentos para SC”, o que não foi efetivado. Para além disso, no dia 25 de fevereiro, quando Jorginho Mello e seu ajudante de ordens retornaram antes do previsto para participarem de um evento político extremista, a comitiva permaneceu nos Emirados Árabes sem agenda. Precisava?
Onde estão os dados?
Eu sou servidora pública e já viajei com recursos públicos - uma viagem bem curta, de carro, que precisei justificar e relatar, mesmo sendo a trabalho, em processo administrativo. Por isso, causa espanto a viagem de uma comitiva internacional com 25 pessoas ter como relatório uma mísera página com agendas que não são sequer justificadas. Veja com seus próprios olhos.
O documento não lista sequer os nomes das pessoas que receberam a equipe. Não lista os participantes de cada agenda. Não lista uma sinopse de assuntos discutidos e encaminhados. Não lista um responsável pelo acompanhamento da agenda, caso tenha resultado em alguma negociação formal e de interesse do Estado. Não apresenta uma linha de coerência, entre visitas à feira de alimentação e reuniões em universidade. Qual o foco afinal?
Justificativas vazias
É nítida a preguiça do governo em responder nosso questionário que só queria entender porque uma comitiva internacional valia menos do que uma agenda política em São Paulo. Ora, se a agenda foi antecipada por conta de um ato político é por que ela não era tão importante, certo? E se não era tão importante, por que ocorreu, com custos aos cofres públicos?
A Dubai Brasileira foi responsável pela organização
Segundo a resposta à LAI, assinada pela Casa Civil de Jorginho Mello, “o convite partiu dos Emirados Árabes, mas a intermediação deste contato foi realizada pelo Prefeito de Balneário Camboriú, Fabrício de Oliveira". O documento, entretanto, não apresenta o tal convite. A viagem começou a ser organizada em setembro de 2023.
Ainda segundo o governo, os responsáveis pelo encaminhamento da agenda foram o Secretário Executivo de Articulação Internacional, Juliano Froehner, e o prefeito da Dubai Brasileira (risos), com as tratativas para definição de agenda sendo realizados por meio da Embaixada do Brasil em Abu Dhabi e da Secretaria Executiva de Articulação Internacional. Também não há qualquer processo administrativo associado aos trâmites.
Zero coerência na agenda
Entendo que comitivas internacionais bancadas por verbas públicas podem ter interesses dispersos e às vezes meramente diplomáticos, mas no caso da comitiva do governo estadual, pareceu uma colcha de retalhos mal costurada.
"O critério adotado para a seleção dos membros da comitiva consistiu em buscar indivíduos cuja participação pudesse maximizar a eficácia da visita, especialmente nos setores do turismo, energia, infraestrutura, educação, esporte dentre outros, considerados promissores para missão internacional aos Emirados Árabes Unidos", é o que diz a resposta à LAI. É sério que uma viagem de poucos dias, cuja agenda foi impactada por interesses pessoais do governador, dá conta de tratar desse combo de assuntos? Querem enganar a quem?
Acho que essas reuniões poderiam ter sido um e-mail. Não custaria nada.
Lista de convidados também não diz muito sobre efetividade dos encontros
A lista de convidados da comitiva, que deixo aqui embaixo, também diz muito pouco sobre os interesses reais para o Estado. Por que a presidente da Acafe estava lá e o reitor da única universidade pública estadual não aparece entre os convidados? Por que um cônsul honorário de Marrocos? E aqueles identificados meramente como “empresários", estavam representando entidades ou interesses privados em agendas públicas?
Tudo muito estranho e uma imensa variedade de custos públicos envolvidos, já que Assembleia Legislativa e Senado também pagaram a conta. O gabinete informou que “as despesas de viagem correram às expensas do participante ou de seu órgão funcional" e registrou que os custos da antecipação foram estornados, mas não enviou os documentos comprobatórios.
Cadê os custos, afinal?
O desleixo do Governo de Santa Catarina com a Lei de Acesso à Informação foi tão grande, que eles me enviaram esse link aqui quando perguntei os custos de viagem. Um absurdo completo, me mandaram pesquisar algo que não está em rubrica nenhuma.
O portal da transparência traz as diárias pagas aos servidores que integraram a comitiva, mas isso eu já divulguei quando eles estavam lá. Queremos saber os custos do voo, dos hotel, dos traslados. E também dos presentes recebidos, já que a tradição bolsonarista não é das mais honestas e o governo não respondeu se os integrantes da comitiva foram agraciados com algum mimo.
E os impactos?
Longe de mim querer comparar dois estadistas como o presidente Lula e o francês Emmanuel Macron ao governo pouco programático de Jorginho Mello, mas nos últimos dias tivemos um exemplo do que é uma missão internacional bem aproveitada, com acordos e negociações com impactos além da mera diplomacia.
Para os bolsonaristas que desde o início do mandato de Lula reclamam de suas comitivas e até do fato de a primeira dama, Janja, acompanhá-lo, também fica aqui um exemplo de transparência, diferentemente do que faz Jorginho Mello em seu governo.
Recurso
Eu fiz um recurso (o segundo) às respostas do governo, alegando que a maior parte das perguntas submetidas ao órgão foram solenemente ignoradas, sem qualquer justificativa. O primeiro foi respondido essa semana, já com as respostas incompletas do órgão. Vamos aguardar os próximos capítulos, mas espero que haja um comprometimento efetivo da Controladoria Geral do Estado com a transparência pública. Nós não estamos pedindo nenhum favor, estamos apenas solicitando o cumprimento da lei.
Considerações afinais
Muitas coisas aconteceram essa semana, mas optei por me concentrar nesse assunto que ilustra tão bem quais vêm sendo as causas dos democratas em Santa Catarina: por menos hipocrisia (Lula viaja e divulga os gastos, e o PL?), mais transparência, mais efetividade e compromisso com uma agenda que não passe simplesmente por agradar amigos.
Semana que vem tô de volta, pessoal ;-)
P.S: essa é a primeira edição da newsletter com conteúdo totalmente exclusivo. Que tal encaminhar para alguém?
Minha dúvida: será que as emissoras dos envolvidos vão se manifestar ou o cala boca da viagem dos dois “colunistas” foi suficiente?