Frente ampla de esquerda ficou miúda em Florianópolis
Entre Biden, Trump e Kamala, peço licença ao meu querido leitor para falar sobre uma ilha mágica no Sul do Brasil
Oi, pessoal!
Sim! Tem muita coisa acontecendo no mundo. As Olimpíadas (viva!), as eleições norte-americanas (axé, Kamala) e a nossa sempre expectativa sobre o dia em que uma certa liderança brasileira de extrema-direita vai começar a pagar sobre seus crimes, mas hoje vamos falar sobre um outro assunto: a polêmica cisão entre os partidos de esquerda na disputa por um projeto anti-bolsonarista na Capital de um estado bolsonarista.
Peço licença para, pela segunda vez, derrubar o formato tradicional da newsletter em nome de um conteúdo que apurei ao longo da semana e que merece um textinho mais longo. Vem comigo nessa história de bruxaria da ilha da magia?
1 - Túnel do tempo
O ano era 1992 e a capital de Santa Catarina, Florianópolis, elegia de forma inédita seu primeiro (e único) prefeito de esquerda, Sérgio Grando, do então PPS. A união com o PT, representado pelo vice, Afrânio Boppre, deixou em segundo e terceiro lugar na disputa as principais forças políticas da época: o PMDB e o PDS, que revezavam o poder em grande parte dos municípios catarinenses.
O ano era 2022 e, tal qual no Brasil, a eleição ao governo de Santa Catarina colocava forças opostas disputando o poder: Décio Lima, pelo PT, e Jorginho Mello, do PL, disputaram o segundo turno com uma vitória folgada do bolsonarismo com mais de 70% dos votos. Lima liderou uma frente ampla que contou com a participação do PSB, PCdoB, PV e Solidariedade.
O PSOL ficou de fora porque queria disputar o Senado. Como a frente de esquerda deu a vaga a Dário Berger, então no PSB, o partido lançou Afrânio Boppre - o mesmo que compôs com Grando o único governo de esquerda da história da Capital. O eleito foi o bolsonarista carioca Jorge Seif, com quase 40%. Berger e Boppre tiveram 16,23% e 3,11%, respectivamente.
2 - Personagens
A história trouxe alguns desses personagens de volta, em uma cisão semelhante, mas com contornos mais dramáticos: o PSOL, que ficou de fora da frente ampla de SC em 2022 por não conseguir indicar seu senador, despontou como vice-líder nas pesquisas de intenção de votos feitas na pré-campanha. O atual deputado Marquito aparecia logo após o prefeito Topázio Neto (PSD), que busca a reeleição apoiado pelo bolsonarismo.
Já o ex-prefeito e senador Dário Berger, que foi para o PSDB, entrou na disputa querendo fisgar a vaga num eventual segundo turno, com o apoio de outra força política relevante na Capital: o ex-prefeito Gean Loureiro, de quem Topázio herdou a prefeitura para que ele pudesse disputar o governo em 2022.
Lula fez um comício em Florianópolis faltando duas semanas para as eleições em 22 (Foto: Ricardo Stucker)
É justamente a candidatura de Dário que tem aguçado a tensão entre o PT e o PSOL na Capital. E nesse processo o tucano já aparece na vice-liderança em uma pesquisa que tive acesso. Outra mantem Marquito como o segundo melhor colocado. As pesquisas são contratadas pelos partidos nas pré-campanhas e não são divulgadas publicamente, servem apenas para que as coligações planejem suas estratégias iniciais.
3 - Fla apoiando Flu?
Rivais históricos desde 1994 até 2014, PT e PSDB não se coligaram em Florianópolis, mas a proximidade criada na disputa de 2022, quando Dário era do PSB e subiu ao palco onde Lula fez um dos seus últimos comícios do primeiro turno, aumentou o nível de tensão às vésperas do início oficial da campanha. Lideranças do PT negam que haja negociações, mas nos bastidores se fala sobre uma aliança construída já em 2022, com influência do ex-deputado Gelson Merisio, hoje consultor da multinacional JBS.
O PT também vai lançar seu candidato: Vanderlei Lela Faria. Mas fontes do PSOL e do próprio PT indicam que o objetivo não seria vencer, mas sim ajudar Berger num eventual segundo turno em que Marquito tende a perder espaço em razão do tempo de propaganda eleitoral e da escassez de recursos.
A tese que circula no meio é de que o PT estaria atuando para isolar Marquito, forçando um apoio dele ao projeto do partido. Oficialmente o PT nega e se diz aberto a compor com os socialistas, oferendo uma vaga de vice na chapa de Lela (abaixo conto melhor).
4 - Truco ou trunfo?
O partido buscou no jogo dos bastidores um apoio importante: o PSB, que já havia se comprometido em compor com o PSOL, recebeu um ultimato do diretório nacional e vai apoiar o PT, de quem é parceiro forte no governo federal, com Geraldo Alckmin, e em outras cidades. A soma das duas forças isola ainda mais a candidatura de Marquito, que tende a entrar enfraquecido na disputa. Lideranças do PSOL veem o movimento como gesto para forçar uma desistência de última hora do socialista, mas asseguram que isso não vai acontecer.
5 - Incertezas
Os dirigentes dos partidos materializam as incertezas sobre uma aliança ampla em seus discursos, mas não falam abertamente sobre composições com outras forças políticas, como o PSDB e o União Brasil, que sustentam a candidatura de Dário Berger. A tônica nas falas é de que não houve acordo capaz de sustentar a frente ampla.
6 - PT
O presidente interino do PT-SC, Vitor Silveira, diz que o partido negociou com todas as forças progressistas da cidade e decidiu indicar o seu candidato por um pedido do presidente Lula e da militância. Ele nega tratativas e qualquer tipo de acordo com o PSDB e diz que o que existe é uma “boa relação” com o candidato Dário Berger.
Silveira também afirma que há cidades do estado em que PT e PSOL estão juntos e que, em Florianópolis, existe uma expectativa para que o partido se some a chapa encabeçada por Lela. “Estamos aguardando um gesto do PSOL de indicar a vice”, pontua, sinalizando com o artigo feminino que a preferência seria por uma mulher.
Ele ainda comemora o número recorde de candidaturas petistas no Estado para as eleições de 2022, estimando os números de 177 prefeitos, 126 vices e 1992 vereadores.
7 - PSB
O presidente do PSB de Florianópolis, Homero Gomes, disse que os partidos não foram capazes de construir a frente como ocorreu em 2020. “Não consigo encontrar justificativa para esse descompasso político na cidade, apesar de respeitar a autonomia dos partidos que apresentaram-se para o protagonismo nessas eleições”, pontuou.
O dirigente aponta que o debate interno sobre as eleições municipais no partido começou em junho do ano passado, dialogando com os partidos da base aliada do governo Lula/Alckmin. O apoio ao PSOL chegou a ser endossado pela direção nacional do partido, mas foi condicionando à reciprocidade de apoio em outra capital, o que não se materializou.
“Apesar da disposição demonstrada pelo direção catarinense (do PSOL), que entregou apoios em Joinville, Garopaba e Imbituba, o fato é que o PSOL não entregou apoio ao PSB em nenhuma capital e isso trouxe consequências para todos nós”, disse. Por isso, ele afirma que a decisão da direção nacional pela retirada de apoio é irrevogável. O PT apoia o PSB em pelo menos 120 cidades nas disputas municipais pelo país.
8 - PSOL
A presidenta do PSOL em Florianópolis, Victória Borges, disse que a retirada de apoio do PSB pegou a todos de surpresa, já que não refletiria a construção iniciada em 2023 entre os dois partidos.
“Hoje a gente sabe que metade da chapa de vereadores do PSB municipal constrói o projeto político do Marquito, acredita no Marquito como prefeito”, pondera. Sobre o PT, também afirma que houve conversas, mas que respeita a autonomia do partido em indicar seu nome, ainda que esteja em jogo um projeto político no qual não há muito tempo para disputa. “A expectativa com o PT é realmente de responsabilidade sobre nossa cidade”.
Mesmo com a formalização da retirada do único apoio conquistado até então, Victoria diz que o partido ainda busca construir alianças. “A gente permanece construindo, os pré-candidatos continuam fortalecendo o nosso programa porque a gente enxerga tanto a luta que eles fazem quanto o compromisso com o projeto alternativo que a gente apresenta para a cidade”.
9 - Considerações afinais
As convenções dos partidos nos próximos dias devem confirmar Lela, com apoio do PSB, na disputa. No dia 6 de agosto, quando a campanha começar oficialmente, veremos se os candidatos da esquerda adotarão tom de conciliação e dobradinha ou de hostilidade, diante desse processo arrastado de racha e “desnegociações”.
Se Dário Berger aderir a uma campanha de linha bolsonarista, saberemos que, indo ao segundo turno, não terá qualquer apoio dos partidos da frente ampla. Mas se optar por uma campanha que escape à polarização talvez uma eventual vaga do campo progressista no segundo turno caia no colo dele.
Com esse cenário que se anuncia, Marquito e Lela devem dividir votos, a depender também da participação mais direta do presidente Lula na campanha, algo que é desejado pelo PT. Lula vem ao estado pela primeira vez três dias depois do início oficial da campanha e é esperado que fortaleça, já na largada, as candidaturas do próprio partido. Tem muita água ainda pra rolar.
Semana que vem eu volto no formato original! Até lá!