Governo de SC gasta mais em comunicação do que meio ambiente e desinforma sobre tragédia no RS
Secretarias com orçamentos bem diferentes mostram que prioridade é usar estratégia bolsonarista: negacionismo e propaganda
Oi, pessoal!
Tenho certeza que, excepcionalmente, ninguém está bem. O agravamento da tragédia no Rio Grande do Sul é um balde de água fria em quem estava na expectativa de ver um país reconstruído de anos de pandemia, negacionismo e extremismo, mas parece que fomos puxados para trás, inclusive no que se refere à nossa civilidade: enquanto dá um orgulho danado de ser brasileira vendo gente boa fazendo o seu melhor, dá um desespero pensar que tem tantos usando sua energia e força para espalhar notícias falsas, que podem custar vidas.
Vamos começar?
1 - Vi no Jornal
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) já havia desmentido o efeito viral de notícias falsas que diziam que o governo federal estava retendo caminhões com ajuda humanitária ao Rio Grande do Sul quando o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), postou um vídeo reacendendo o factóide. Com mais de 80 mil likes no Instagram e mais de 33 mil curtidas no X, o vídeo começava com o texto "Não é Fake News" e obrigou o diretor da ANTT, Rafael Vitale, a fazer novo desmentido explicando que apenas 6 caminhões foram notificados por excesso de peso em um posto de Araranguá, no Sul do Estado, e que nenhuma multa seria aplicada por isso.
O governador bolsonarista gravou o vídeo ao lado de um servidor comissionado da Defesa Civil, que reiterou o discurso e, em suas redes, fez postagem no qual anexou um documento que mostrava o registro do excesso de peso. Também nas suas redes ele mostrava que a carga humanitária havia chegado ao seu destino: ou seja, não houve retenção de mantimentos doados nas rodovias, tal qual divulgava a ANTT. Qual a finalidade do vídeo além de engajar bolsonaristas que já estavam repassando essa narrativa desmentida?
Aliado do aliado - Samuel Vidal, que aparece fardado com o colete da Defesa Civil ao lado do governador, é contratado pela gestão municipal do prefeito Topázio Neto (PSD), em Florianópolis, que fará dobradinha com o PL de Jorginho nas eleições na Capital. Até 4 de abril ele era assessor técnico do gabinete de Topázio e assumiu a nova função em 15 de abril. Em 2020, foi candidato a vereador pelo PSD, com 342 votos.
Custo imponderável - O custo da postagem desinformativa de Jorginho Mello é imponderável, pois o vídeo consumiu mão de obra da equipe de comunicação: roteiro, captação e edição; de redes sociais, com legendagem e distribuição do conteúdo, além de tomar tempo de agenda do próprio governador, que poderia estar se ocupando de compromissos e pautas de interesse público em um momento de crise.
2 - De olho neles
Orçamento não mente - Mas se não é possível precisar quanto custou o vídeo que alimentou a rede de desinformação, é possível comparar os gastos do seu governo em Comunicação, pasta estratégica para a militância bolsonarista, e Meio Ambiente, cerne da emergência climática que desencadeou a tragédia no Rio Grande do Sul. Segundo o Portal da Transparência, a comunicação tem R$ 161.560.000 de orçamento para 2024, enquanto o meio-ambiente R$ 20.356.967,09. Se somar a verba disponibilizada ao Instituto de Meio-Ambiente (IMA), o valor aumenta: são mais R$ 173.703.100,1 em recursos.
Ainda assim, há desproporções: enquanto a comunicação tem mais de R$ 138 milhões só para a "comunicação do poder executivo", onde estão as agências, produtoras e empresas de mídia, o IMA opera com cerca de R$ 68 milhões para fiscalização, apoio, educação ambiental e promoção de eventos.
Para se ter uma ideia, a Comunicação investe cerca de R$ 120 milhões em publicidade e nos veículos locais de imprensa, com alguns contratos ultrapassando meio milhão de reais - como no caso da JL Produções de Vídeo e Filmagens, com R$590 mil liquidados. Empresas de mídia, como a NSC, grupo afiliado da Rede Globo, com TV, rádio e portal, também são contratadas com cifras milionárias. Segundo a transparência, R$ 2.326.818,18 foram pagos a esse CNPJ em 2024.
Imagem de Inteligência Artificial
Falta projeto? - Por outro lado, a pasta responsável por programas e projetos relacionados à questão ambiental tem entre seus principais investimentos o apoio financeiro aos consórcios dos municípios para controle populacional de cães e gatos, orçado em R$ 5 milhões e o apoio a projetos de educação, estudos e pesquisas na área ambiental, com R$ 600 mil.
O secretário de Meio-Ambiente e Economia Verde, deputado federal licenciado Ricardo Guidi, não parece disputar orçamento para medidas que freiem a emergência climática. Na segunda-feira (6) foi marcado em postagens no Instagram cumprindo agenda político- partidária. Recém filiado ao PL ele é pré-candidato a prefeito na cidade de Criciúma, pólo econômico da região Sul e cidade conhecida por sua vocação carbonífera.
3 - Deu ruim
Sem resposta 1 - Ainda na quarta-feira, quando o vídeo do governador catarinense começou a viralizar, procurei duas pessoas da sua equipe de comunicação solicitando documentos que comprovassem autuação, multa ou qualquer retenção de carga denunciada na postagem. A mensagem não foi respondida. Fiz nova solicitação via Lei de Acesso a Informação (LAI), com prazo de 30 dias corridos para receber uma resposta. Sim, quero ver o papel, saber o que está escrito, horário da ocorrência, notificação, tudo. E confrontar com a fala torta, inapropriada e desinformativa de uma liderança que devia proteger os cidadãos da desinformação ao invés de ser o primeiro a estimulá-la.
Sem resposta 2 - Fiz essa nova tentativa, muito embora minha busca em obter informações via LAI sobre a comitiva do governo aos Emirados Árabes, em fevereiro, tenha esbarrado na falta de transparência da secretaria da Casa Civil, que alegou que havia questionamentos "sigilosos" entre os que enviei, sem explicar por que. O governo de Santa Catarina não tem respondido meus questionamentos nem via Comunicação, nem via LAI. Um desrespeito que é marca de quem não segue o jogo democrático. E que além de tudo fere direitos.
Censura e intimidação - Santa Catarina ocupa destaques indigestos no Monitor de Assédio Judicial contra Jornalistas de 2024, desenvolvido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. O ranking cita Luciano Hang como um autor litigante contumaz, com destaque também para os processos movidos pela deputada federal Julia Zanatta contra conteúdos críticos a ela. O que eles têm em comum além do bolsonarismo radicalizado? A defesa, de fachada, da liberdade de expressão! Isso mesmo…
Outro ponto relevante do relatório é o fato de o Tribunal de Justiça de Santa Catarina ser o segundo com maior número de ações desse tipo, atrás apenas do estado de São Paulo, desproporcionalmente maior. O caso da condenação da jornalista Schirlei Alves após cobertura e divulgação de dados inéditos sobre um caso de estupro em Florianópolis também é tratado no documento. Um trecho: Casos como o de Schirlei Alves demonstram como a mobilização do poder punitivo do Estado para silenciar jornalistas é traço que combina mais com regimes autoritários do que com democracias comprometidas com a liberdade de imprensa.
Greve suspensa - Os professores da rede estadual de ensino de Santa Catarina suspenderam por 60 dias a greve que paralisava a categoria, mesmo com a vitória em caráter liminar que impedia o governo de demitir professores grevistas. Os docentes lutavam por questões como vale alimentação e hora atividade, mas também por uma carreira atrativa: hoje, o professor em início e fim de carreira tem rendimentos semelhantes. A luta por um concurso público também estava na agenda, já que apenas cerca de 29% são efetivos. O governo prometeu lançar edital ainda esse ano.
A questão é mais complexa do que parece. Com tantos temporários, sustentar uma greve com ameaça de demissões seria um desafio. Ao mesmo tempo, suspender o movimento por conta da pressão anti-democrática do governo e sem conquistas asseguradas mostrou o tamanho do problema que a classe tem pela frente. Aqui é possível entender um pouco melhor as demandas.
Craque do jogo
Madonna - A diva pop parou o Brasil num show histórico e botou até bolsonaristas para dançar. Não todos, é verdade, porque alguns ficaram apenas espumando diante de uma artista completa, que dá à arte o sentido da transgressão sem se preocupar com os críticos.
Caramelo - O resgate do cavalo que ficou por dias paradinho, ilhado, no município de Canoas foi de aquecer o coração. A comoção em torno dele e a busca por meios de salvá-lo mobilizaram também a primeira-dama do Brasil, Janja, que dias antes resgatou uma cachorrinha no Estado e deu a ela o nome de Esperança.
Considerações afinais (dois fios)
Vou me despedindo, mas trago antes dois fios que fiz essa semana que são uma contribuição informativa ao que se tem discutido sobre meio-ambiente em função do que estamos vendo no Rio Grande do Sul. Sim, é hora de apontar culpados. A emergência climática está aí e não é obra do acaso: é fruto de devastação, falta de políticas ambientais e de comprometimento em frear o desenvolvimento que nega a sustentabilidade e nos ameaça a todos.
Para a UFSC, reuni textos recentes que tratam desse assunto. E aqui trago o histórico bolsonarista relacionado às queimadas na Amazônia e no Pantanal. Não chegamos ao fim da linha, mas se esse assunto não for destaque em termos de orçamento, formulação de políticas e decisões, nos próximos anos episódios como os do Rio Grande do Sul tendem a se tornar mais frequentes e intensos. Não é bola de cristal, é ciência.
Espero que semana que vem tudo esteja melhor!
Abraços e até a próxima!
Que excelente conjuntura pra ter um governador negacionista, hein? Jesusssssssssssssss