Mais um esqueleto do bolsonarismo assombra SC: as escolas cívico-militares
Criado com o único objetivo de ser um braço ideológico da direita no Estado, o projeto consome mais recursos e não melhora seus indicadores
Oi, gente! Como estão?
Peço licença a vocês, porque hoje vou fazer algo que não costumo: cutucar a educação pública. Mas, claro, faremos isso com o único objetivo de defendê-la e de expor questões que precisam ser amplamente discutidas.
Sou uma entusiasta da educação pública, acredito nesse modelo e também me considero fruto da sua capacidade de formar pessoas comprometidas com o mundo. Mas o ex-presidente Jair Bolsonaro deixou esqueletos por toda parte (e nem estou falando do finado Olavo de Carvalho).
Um desses esqueletos foi desossado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina, o Sinte. Trata-se do Programa Estadual das Escolas Cívico-Militares do governador Jorginho Mello, viúva eterna do ex.
Ao abraçar o projeto do seu mito inelegível ele assumiu uma conta alta para o Estado. E o pior: sem qualquer indicativo de que tenha sido uma boa ideia do ex-presidente colocar militares para atuar dentro da rede pública de ensino. E é claro que aqui esse projeto ideológico também não vingou.
Aliás, alguém consegue recordar alguma ideia de Bolsonaro nos últimos anos que não seja movida pelo interesse pessoal de poder e dinheiro? O que ele deixou de legado positivo na sua vida pública? Nada, né? Então vem comigo que a conversa é um pouquinho mais longa.
Imagem criada por Inteligência Artificial (não é o Olavo, mas poderia ser)
1 - Deu ruim
Piorou - As escolas cívico-militares de Santa Catarina, mantidas pelo governo bolsonarista estadual mesmo após decretado o fim do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), consomem mais recursos do que as demais da rede e apresentam queda no indicador de avaliação de ensino, o Ideb. Os dados foram divulgados em um estudo do Sindicato dos Trabalhadores em Educação, o Sinte, e demonstram que faltam justificativas para a manutenção do projeto.
Segundo o estudo, a militarização das escolas estaduais em Santa Catarina promoveu uma piora de 8% no resultado do Ideb para o nível de ensino médio em comparação com escolas de características semelhantes, mas que não foram militarizadas. O economista Mauricio Mulinari, um dos autores da pesquisa, explica que a comparação foi feita tendo como base o tamanho das escolas e também as características das regiões, para evitar distorções.
"O impacto estimado, ao contrário da propaganda do governo, foi negativo, de -7,6%. Isso significa que uma escola que tinha Ideb de, por exemplo, 5 pontos no ensino médio antes da militarização, teve sua nota reduzida para 4,62 pontos em 2023", sintetiza a pesquisa.
Ineficiência - O sindicato alerta para uma ineficiência no modelo. "Estamos falando há muitos anos sobre a ineficiência do modelo. A educação deve receber investimentos em áreas fundamentais, nos profissionais de educação, na valorização, no quadro completo de profissionais, que sejam concursados, que tenham um vínculo com a escola, que tenham compromisso com a unidade escolar e também que sejam preparados", pontua o coordenador do Sinte, Evandro Accadrolli.
A presidente da Comissão de Cultura e Educação da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Luciane Carminatti (PT), também questiona a validade do programa. Para ela, não há garantia que essas escolas tenham melhor qualidade de ensino. "O que temos é mais investimentos que as demais escolas públicas”, explica a parlamentar.
Contraste - A diferença nos investimentos foi confirmada na análise do Sinte, que expôs o contraste entre as dez escolas cívico-militares tratadas como vitrine pelo governo e as outras unidades da rede. As escolas cívico-militares tiveram quase o dobro de investimento em infraestrutura por estudante do que as demais, acumulando R$ 11,7 milhões em obras desde 2021.
Segundo o decreto estadual que instituiu o Programa Estadual das Escolas Cívico-Militares, um dos objetivos do projeto é justamente "contribuir para a elevação dos índices de desenvolvimento da educação básica". O texto também revela que as escolas civis-militares devem ser vitrines para as demais, já que um dos seus princípios seria induzir "boas práticas como meio para a melhoria do ensino público".
2 - De olho neles
Disparidades - As escolas cívico-militares recebem melhorias na estrutura, contam com laboratórios e espaços de atividades físicas, além de maior equipe de apoio pedagógico fora da sala de aula. Somente uma das escolas, a Ildefonso Linhares, em Florianópolis, recebeu R$ 6.743.990,10 desde que foi militarizada, em 2022, quando o Pecim ainda estava em vigor.
Para a deputada Carminatti, o governo escolhe, no modelo cívico-militares, investir muito em poucas escolas enquanto há centenas de outras precisando de estrutura física e de recursos humanos, como psicólogos, assistentes sociais, projetos de arte, cultura e esportes.
“Enquanto isso, temos escolas que aguardam há anos por reformas e estudantes tendo aulas em salas lotadas e em espaços improvisados como salões de igrejas e galpões. Não seria melhor equilibrar esse investimento? No lugar de concentrar muito para poucos alunos, garantir que todos tenham uma condição mínima de estudo?”, questiona a deputada.
Ela chegou a fazer um pedido de informação à Secretaria de Estado da Educação no início de 2024 para saber o total de escolas que precisam de reformas, quantas têm projetos concluídos e os prazos para as obras. Até este mês de outubro, não foi respondido.
Folha de pagamento também cresceu - O investimento com profissionais da educação em relação ao número de matrículas também aumentou mais nos colégios militarizados. No projeto herdado de Bolsonaro e encerrado pelo governo Lula justamente pela falta de indicadores e dados específicos sobre a eficácia do modelo, profissionais militares atuam dentro das escolas, na gestão de processos educacionais, pedagógicos e administrativos. "Acreditamos que essa educação deve ser feita pelos trabalhadores formados para essa função de educar", salienta Accadrolli.
Entre os custos assumidos pelo governo Jorginho Mello após o fim do projeto de Bolsonaro, estão R$ 9 milhões ao ano para pagar militares da reserva que atuam no projeto. Estes recursos, segundo o Sinte, deveriam ser investidos em equipe técnica de educação.
"Todas as intervenções de militares no fazer da sociedade civil são autoritárias. Muitas vezes atentam contra a liberdade de cátedra e impedem assuntos críticos, tirando a diversidade da ciência e do conhecimento. É uma postura conservadora que conserva uma sociedade desigual", pontua o coordenador.
O volume de servidores da Secretaria da Educação a disposição das unidades também beneficia as escolas cívico-militares. O grupo de 10 escolas que foram militarizadas teve um crescimento nominal de 119% na sua folha de pagamentos nos últimos quatro anos, enquanto nas outras o índice foi de 86%, concentrado em contratos de profissionais temporários, os chamados ACTs.
3 - Não vi no jornal
Militares em todas as escolas - Outro ponto trazido à tona pelo estudo divulgado pelo Sinte foi o custo do programa Rede de Segurança Escolar, que levou militares aposentados para cerca de duas mil escolas da rede com a justificativa de aumentarem o policiamento. Isso fez com que o orçamento da Secretaria da Educação comprometido com o pagamento de pessoal militar em 2024 tenha chegado a R$ 20,6 milhões. Em 2023, essa despesa era de R$ 8,5 milhões.
O Sinte vê o programa com preocupação, pois seria "um passo decisivo em direção ao modelo de militarização das escolas, em detrimento de soluções alternativas alicerçadas na conscientização, no acompanhamento psicológico e na integração humanizada da comunidade ao ambiente escolar".
Expansão do projeto - Com dez escolas operando conforme esse modelo, o governo de Santa Catarina ampliou o projeto em 2024, na Escola Estadual de São José, em Herval d’Oeste. A unidade tem 480 alunos, das turmas do 6º ano do Ensino Fundamental até a 3ª série do Ensino Médio. Sua estrutura é composta por 22 salas de aula, quatro laboratórios, auditório e ginásio de esportes.
O governo de Santa Catarina, como sempre, faz de conta que não recebe minhas mensagens. A equipe de comunicação da secretaria de Educação se recusou a responder se há projeto para novas unidades em curso, assim como também não comentou a diferença nos indicadores das escolas civil-militar em comparação com as demais da rede. Apesar de já ter enviado o orçamento de 2025 à Assembleia, o governo também não informou qual o volume previsto para o investimento nas escolas civil-militar no próximo ano.
4 - Craque do jogo
Marina Silva hitou ao responder com classe a deputada extremista Julia Zanatta (PL-SC) que a chamou de “capacho de ONG". Marina lembrou que os ambientalistas de ocasião, sim, é que são capachos de interesses outros que não o bem do país. E por falar em país, deu uma olhadinha em como a deputada anda usando sua cota parlamentar? Ah, pois é…
Essa anônima aqui também mandou bem demais ao adjetivar o prefeito de São Paulo e líder nas pesquisas à prefeitura, Ricardo Nune, ao vivo, na Globo News. Jamais vou julgar. Se eu ficasse tantos dias sem luz estaria muito pior. Aliás, quando ainda havia 400 mil residências sem energia em São Paulo, conversei com os queridos Thiago Suman e Pedro Zambarda sobre isso na live de domingo do Diário do Centro do Mundo. Vem ver?
5 - Desinformação da vez
Tudo pelo lacre - Novamente, o governador de Santa Catarina Jorginho Mello participa do programa Tudo pelo Lacre, versão passando vergonha. Dessa vez, ele está contando por aí que Santa Catarina não vai cobrar o seguro SPVAT, que é obrigatório a todos os proprietários de veículos. Mentira, tá? Embora não tenha assinado convênio com o governo federal para facilitar a cobrança da taxa, todo mundo vai ter que pagar. Só que ao invés de o boleto vir junto com o IPVA, o que facilitaria a vida do contribuinte, vai vir de outra forma. O governador de SC precisa parar de mentir para estar a altura do cargo.
6 - Considerações afinais
Como comecei essa newsletter criticando um modelo bolsonarista mal-sucedido de educação pública, quero encerrá-la abraçando os professores e professoras desse país que atuam na construção de um mundo mais justo e melhor para a gente. Aqui, compartilhei minha tristeza de celebrar a data com tanta perseguição e intimidação a homens e mulheres que exercem seu trabalho e acreditam no que fazem.
Uma das personagens desse “carrossel” é minha amiga, Maria Elisa Máximo. Ela escreveu sobre sua experiência pessoal, que deve ser sempre tratada como algo coletivo - uma marca do tempo que vivemos e que precisamos de uma vez por todas superar. Recomendo que leiam e repassem esse texto, pois é uma análise sócio-histórica dos atentados recentes sofridos por educadores em Santa Catarina.
Até a próxima, gente!