No meio do Carnaval, glitter e a falta que um governador expressivo faz
Senta que, ao contrário do que imaginei para uma semana carnavalesca, temos muita coisa para conversar
Eu estava preocupada com a newsletter dessa semana carnavalesca, achando que teríamos poucos assuntos além de glitter, plumas e paetês. Mas veio aí a maior newsletter da minha história. Assunto não faltou e te convido a ler tudinho. Vamos?
Vi no Jornal
Hoje, exclusivamente comentando a entrevista do Governador Jorginho Mello ao jornalista Upiara Boschi
"Nós estamos fazendo o que nunca Governador nenhum fez". A frase que o governador de Santa Catarina disse ao jornalista Upiara Boschi no programa Cabeça de Político sintetiza, na minha opinião, o mandato de Jorginho Mello até aqui.
Porque nunca nenhum governador nos fez passar TANTA vergonha. Trouxe alguns pontos pra comentar, mas sugiro que vocês assistam a entrevista na íntegra.
1 - Soberba
Ao longo de quase meia hora de entrevista, Jorginho Mello exala uma arrogância de constranger. Ele realmente se considera o melhor governador de Santa Catarina com um ano de mandato e quase NENHUMA entrega. Reforço este ponto com bastante convicção, porque o que ele diz que entregou ou começou no governo anterior e ele deu outro nome ou foi implementado por conta de parcerias com o governo federal.
Programas que ele cita como seus, mas que estão com nomes embalados em suco de marketing, já aconteciam no estado que ele herdou, como a política hospitalar, a recuperação de estradas e a reforma dos aeroportos. Até mesmo o Universidade (nada) Gratuita é uma nove versão (mais perigosa, onerosa e privatista) do antigo Uniedu.
A arrogância é tão grande que, questionado sobre governadores nos quais se inspira e nos quais não se inspira, ele só respondeu em quem não se inspira: no antecessor, Carlos Moisés. Inspiração mesmo só no ex-presidente a quem ele ainda presta continência (falo disso adiante).
2 - Mania de grandeza
Jorginho Mello considera um grande feito do seu mandato que a empresa Copa Airlines tenha criado uma rota de avião Florianópolis-Panamá. Acha lindo que os catarinenses poderão encurtar o tempo de viagem para a América do Norte, mostrando bem a quem ele está interessado em servir: uma elite cada vez menor, já que viajar de avião continua caro mesmo para a classe média.
Enquanto isso, políticas públicas voltadas para quem precisa do Estado seguem ocupando pouco espaço. É só olhar, por exemplo, na aba "Assistência Social" do site de notícias do governo para verificar a falta de um olhar direcionado à atenção social. Voo de avião para turista gastar dólar nos Estados Unidos é um grande feito de governo? Mesmo?
3 - Porém, miudeza
Depois do fiasco de tentar emplacar o próprio filho na secretaria da Casa Civil, o governador fez propaganda de Filipe Mello (e do outro filho, Bruno) como os grandes filhos, pessoas e políticos que são. Mentes iluminadas. Alecrins dourados.
Eu entendo, o meu pai também acha isso de mim, mas peraí, o senhor é governador do Estado e precisa de um pouco mais de lucidez e bom senso.
A miudeza, que aparece em muitos trechos da entrevista, fica ainda mais clara quando Jorginho Mello se revela leal ao bolsonarismo, o que entende como maior parceiro do seu mandato. Incrível que esse governador ainda se mantenha preso a um elemento que, além de não ter feito nada pelo estado, conspirou contra a democracia e contra as urnas eletrônicas que deram uma expressiva vitória a ele no duelo contra o petista Décio Lima.
"O bolsonarismo é o 22, é uma grife. Presidente Bolsonaro tem uma apelo popular muito grande. Ele é uma liderança que emergiu nacionalmente e vai continuar forte. Eu vou trazer ele muitas vezes em Santa Catarina", disse o governador, sem se atentar que essas visitas podem ocorrer, sim, mas não de Bolsonaro ao Estado, e sim de Jorginho a Papuda.
Já sobre os prefeitos presos em recentes operações de SC, uma única frase: "Eu lamento os prefeitos que foram presos".
4 - Qual o projeto de Estado do governador?
Por fim, a pergunta que fica sem resposta por aqui é "qual o projeto de Estado do governador"? Não existe estado de bem estar social que emerja nas suas falas. Quando defende o péssimo Universidade (nada) Gratuita ou os voos para o Panamá ele se dá conta que está de costas para quem precisa? E quando se preocupa em se afastar do presidente Lula, ele faz isso por convicção de que é bom para Santa Catarina ou por populismo junto aos extremistas fanáticos?
Moral da história: a entrevista me fez ver um homem comprometido com seus filhos, seu partido, eleitores da elite e extremistas e com Jair Bolsonaro. Tem como isso gerar um mandato histórico, expressivo e relevante? A resposta é óbvia: um sonoro não. A maioria confortável na Assembleia e a imprensa apática aos seus desmandos têm contribuído com a falsa ilusão de que está tudo sob controle.
Craque do Jogo
1 - Cristiano Zanin - O Supremo Tribunal federal acatou o pedido do PSOL (fruto de pesquisa do jornalista Leonel Camasão e de ação de autoria do advogado Rodrigo Sartoti) para derrubar os decretos anti-vacina que se multiplicaram em Santa Catarina nas últimas semanas. A regra é clara: "o direito assegurado a todos os brasileiros e brasileiras de conviver num ambiente sanitariamente seguro sobrepõe-se a eventuais pretensões individuais de não se vacinar".
2 - Paola Oliveira - Foi assunto na semana a atriz Paola Oliveira se transformando em onça na Marques de Sapucaí no desfile das escolas de samba cariocas. Um pouco de beleza (muita, na verdade) e glitter para essa newsletter sempre cheia de assuntos meio indigestos, né?
De olho neles
Meritocracia ou cabide? - Vi na coluna do jornalista Anderson Silva que mais um "conje"(*sic Sérgio Moro) de deputada foi nomeado ao alto escalão do governo de Santa Catarina. Já podemos pedir música no Fantástico?
Catiane Seif (mulher do senador Jorge Seif) segue como adjunta do Turismo. Guilherme Colombo (marido de Julia Zanatta) está vinculado ao BRDE e agora Freibergue Rubem do Nascimento (noivo de Daniela Reinerh) será o cabeça da Fundação de Esporte.
O salário de Colombo não está no portal da transparência, mas, somados, os de Catiane e Freibergue renderão cerca de meio milhão por ano de despesa aos cofres públicos. Os currículos de ambos são uma incógnita, assim como os feitos que justifiquem suas nomeações.
Deu ruim
1 - Ordem de quem?
Pegou muito mal a Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina tirar da presidência da Comissão de Direitos Humanos o advogado Rodrigo Sartoti pouco tempo depois de ele entrar com ação contra a nomeação do também advogado Filipe Mello, filho do governador, como secretário da Casa Civil.
Não fica claro que a “expulsão” tenha relação direta com a oposição de Sartoti ao governador, mas há indícios que sugerem algum tipo de perseguição política. Se for isso mesmo, é das coisas mais graves que vi acontecer por aqui recentemente. E olha que o cardápio é farto.
Está cada vez mais complicada a vida do ex-presidente Jair Bolsonaro, exposto como articulador de um golpe de Estado que não se concretizou, mas que foi montado a muitas mãos. Os R$ 800 mil transferidos por ele para os Estados Unidos às vésperas de deixar o país são só uma cereja no bolo (ou seria um nariz no Palhaço?) desse roteiro intrincado e vergonhoso.
A presidente da Acafe, Luciane Ceretta, entrou em contato comigo para dizer que não falou mal da universidade pública, como registro aqui. A notícia que printei foi alterada sem qualquer aviso ao leitor, mas o mal estar que ficou é evidente.
Universidade pública, como o SUS, é patrimônio do povo brasileiro. Forma cabeças críticas, pensantes e transformadoras. Promove ensino, pesquisa e extensão da maior qualidade. Está cada vez mais aberta à inclusão. Triste saber que ainda haja gente com esse tipo de pensamento justamente na semana em que a UFSC emplacou uma capa na revista Nature, uma das mais relevantes do mundo, com um estudo inédito sobre a Amazônia.
Considerações afinais
Essa semana meu "eu" acadêmico foi tocado por um debate nas redes sobre a transmissão do Carnaval na Globo. Aparentemente, a audiência não gostou de ver repórteres serem sacados da linha de frente e substituídos por influenciadores. Coincidentemente, hoje a finada rede Facebook me trouxe uma postagem do tempo em era professora de Jornalismo. Vou compartilhar, pois acho que é ótima para encerrar essa newsletter gigante:
"Nossos poucos heróis e muitos vilões estão ao nosso alcance, com suas histórias de vida em busca de um repórter que tenha a arte de andar por aí, como prega Gay Talese, ou que se disponha a gastar a sola do sapato, como sugere Ricardo Kotscho.
Quando fui chamado para trabalhar na revista Veja em Porto Alegre, em 1971, o chefe da sucursal era Paulo Totti. Aos 32 anos, era o mais talentoso jornalista do Rio Grande do Sul, a melhor escola que um repórter poderia ter. Em dezembro de 2007, cinco meses antes de completar 70 anos, Totti conquistou o Prêmio Esso de Economia com uma reportagem sobre a China, publicada no diário Valor Econômico. O melhor jornalista gaúcho há 40 anos é ainda hoje um dos grandes repórteres brasileiros. É dele esta frase consoladora:
-- A função do repórter é a única que vai sobreviver no jornalismo do futuro. Sempre vamos precisar, no futuro, de alguém que pergunte.
Totti disse e eu completo: o importante - ontem, hoje e sempre - é duvidar e perguntar".
Trecho final do discurso do Luiz Cláudio Cunha quando diplomado pela UnB pelo notório saber em Jornalismo.
Obrigada a quem leu até aqui e até a próxima, pessoal ;-)