Dinheiro público para divulgação de mandatos pode financiar desinformação
Verba pública que liderou gastos parlamentares em 2024 também é usada em impulsionamento. Redes demonstraram mais uma vez seu poder na difusão de mentiras com o caos do Pix
Oi, gente! Tudo bem?
Entraremos na terceira semana de 2025 com uma convicção muito forte de que é complicado ser brasileiro. Ao mesmo tempo em que celebramos conquistas dos nossos compatriotas, ainda vivemos num país em que gente de má fé e má índole é capaz de mentir e de prejudicar milhares de pessoas sem ser responsabilizada por isso.
Sim, vocês sabem de quem eu estou falando. Ou de “quens", neste caso, porque quem compartilha desinformação imbuído de má fé é cúmplice. E o caso das mentiras sobre um procedimento interno da Receita Federal que se transformou, no discurso da extrema direita, em “taxação do PIX” é muito emblemático para a gente entender como a desinformação tem impactos imediatos no cotidiano.
Os primeiros dias de janeiro registraram uma queda histórica nas transações via PIX. Os golpes de estelionatários explorando a desinformação também se espalharam como rastilho de pólvora. Não foi uma disputa política sobre verdade ou mentira: foi um caos plantado pela extrema-direita com motivações que devem ser investigadas, ainda mais se tivermos em conta que eles não são muito chegados em regras para coibir a sonegação.
Mas vamos de barra de rolagem que o assunto continua…
Imagem criada por Inteligência Artificial (mas parece que o robô tentou desenhar o Donald Trump)
1 - De olho neles
Cota parlamentar - O Facebook, da big tech Meta, foi o quinto maior prestador de serviços aos deputados brasileiros em 2024 conforme dados da transparência, atrás apenas de companhias de aviação e de uma empresa de locação de veículos. No total, a Câmara reembolsou cerca de R$1,77 milhões aos parlamentares que contrataram a plataforma de distribuição de conteúdo
A cota parlamentar para “divulgação da atividade parlamentar” foi a mais utilizada pelos deputados federais em 2024, atingindo um percentual de quase 40% da verba a qual os mandatários têm acesso para utilizarem em seus gabinetes. Isso corresponde a cerca de R$90,4 milhões.
Trago este dado porque, com esses recursos, Nikolas Ferreira (PL) e sua bancada da selfie podem contratar agências de comunicação para realizarem atividades em suas redes sociais, inclusive com o impulsionamento de conteúdo, que seria uma forma de pagar as plataformas para expandir o alcance dos materiais.
A Meta é o caos - Não é possível saber se o vídeo de Nikolas que atingiu um número EXPLOSIVO de visualizações foi impulsionado ou teve um engajamento espontâneo. Suas despesas de gabinete também não indicam, por enquanto, pagamento à Meta, Tik Tok ou X, mas entre janeiro a dezembro de 2024 ele usou R$47 mil em pagamento a duas empresas contratadas para produzirem o conteúdo para essas plataformas, ambas de Goiânia.
O impulsionamento direto é permitido pela legislação da Casa, mas também é possível contratá-lo via agência, o que dificulta o controle social dos serviços da Meta ou mesmo de outras plataformas pagas com dinheiro público. Lembrei, no meu Twitter, que o senador Jorge Seif pagou impulsionamento com dinheiro público em meio ao processo de cassação que enfrentou no início do ano e que ainda não teve um desfecho.
Impulsiona que eu gosto - O caso se torna ainda mais emblemático por acontecer poucos dias após o anúncio pavoroso de Mark Zuckerberg, o dono da Meta, dispensando os serviços de checagem de notícias falsas das suas plataformas. O fatídico vídeo de Nikolas Ferreira dizendo que poderia haver taxação no pix de trabalhadores informais e pessoas necessitadas tinha, na quinta-feira, no Instagram, cerca de 200 milhões de visualizações. O Brasil tem uma população de cerca de 216 milhões de pessoas.
Dinheiro para as big techs e influência para os impulsionados - O impulsionamento é um negócio muito lucrativo para as big techs. Quanto maior a segmentação do público e o alcance da mensagem, mais caro ela custa para quem impulsiona e mais lucros rende às plataformas. No caso da Meta, há célebres casos de investimentos milionários em impulsionamento de conteúdo desinformativo. É o caso da Brasil Para Lerdos Brasil Paralelo, que só para patrocinar um documentário descredibilizando a história de Maria da Penha, vítima brutal da violência doméstica, gastou mais de R$ 300 mil.
Biblioteca da Meta - Na Biblioteca da Meta, onde é possível ter um panorama geral (e pouco transparente) de anúncios da big tech, o Governo do Brasil consta como principal anunciante político no último mês, seguido pelo Banco BV e pela Revista Oeste, publicação de extrema-direita que está bancando 17 postagens, entre elas duas com fotos do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. O investimento, segundo a plataforma, é de R$255 mil. Entre os deputados, o líder de impulsionamentos pagos diretamente à Meta em 2024 foi Bruno Ganem, do Podemos, com R$ 165 mil reembolsados.
2 - Vi no Jornal
Nikolas e o marqueteiro - Apesar de todo o auê em torno do seu vídeo viral, não foi Nikolas nem o seu gabinete que planejaram o conteúdo desinformativo que fez o governo recuar na estratégia de coibir a sonegação de impostos. Pelo menos é o que diz essa reportagem de Gabriel Sabóia, que aponta que já estamos em 2026 com uma possível guerra entre os marqueteiros do Bolsonaro, que liderou a campanha de fake news, e de Lula, nomeado esta semana como Ministro da Comunicação.
Afinal, a verdade - A essa altura do campeonato, imagino que os leitores dessa cartinha já estejam informados sobre a verdade que virou mentira sobre o PIX, mas não custa nada reforça-la. Com o recuo do governo, o monitoramento feito pelos bancos nas operações financeiras volta aos R$ 2 mil, e não aos R$ 5 mil, como propunha a instrução normativa da Receita Federal.
Houve erro na comunicação? Sim! Houve má fé da oposição que mentiu que o PIX seria taxado? Sim! Houve lambança no recuo? Na minha opinião, sim, também. O caso se tornou emblemático para discutirmos regulamentação das plataformas, desinformação, fake news e a investigação de mandatos que usam sua influência para contaminar o debate público e promover o caos.
Mandei três perguntas para dois grandes especialistas em Direito e em Jornalismo sobre isso e publico, aqui na íntegra, o que eles me disseram. Sugiro que leiam, guardem e repassem. Não é o primeiro e infelizmente não deve ser o último caso de desinformação que iremos enfrentar.
Em resumo, o advogado André Matheus lembrou que o tema não é pacífico e trouxe algumas jurisprudências do Supremo Tribunal Federal que tratam sobre o assunto sob a ótima dos crimes parlamentares. Neste sentido, há entendimentos de que, sim, um deputado pode se tornar réu por propagar desinformação, desde que ele faça isso com dolo, ou seja, sabendo o que está fazendo.
“A nossa mais alta Corte tem entendimento consolidado de que, quando palavras e discursos não estão cobertos pela liberdade de expressão e imunidade material do parlamentar, pode-se instaurar um inquérito para apuração dos fatos e ação penal para responsabilização de possíveis crimes", disse.
A professora da Universidade Federal da Bahia Lívia Vieira falou sobre o papel das plataformas neste cenário. Para ela, a lógica com a qual essas redes operam gera ainda mais desinformação. “Outro fator que nos desestimula a pensar numa contenção é que as plataformas lucram muito com a desinformação, por meio do impulsionamento dos posts. O pagamento para que os conteúdos (sejam eles verdadeiros ou não) cheguem a mais pessoas é estratégia fundamental da extrema-direita, que faz o modelo de negócios das plataformas dar tão certo", pontua.
3 - Deu ruim
Contas rejeitadas e emendas - Descobri que duas das três prefeituras bolsonaristas com o relatório de contas com parecer pela rejeição por parte do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC) estão entre as que mais receberam emendas parlamentares em 2024. Garopaba e Canelinha receberam R$16,2 e R$13,1 milhões, respectivamente, mais do que os R$ 10 mi destinados a cidade mais populosa de SC, Joinville.
O que as cidades têm em comum além do parecer negativo sobre suas contas de 2023, confirmados há um mês pelo TCE-SC? Ambas são governadas por bolsonaristas reeleitos. Em Canelinha, Diogo Francisco Alves, do PL. Em Garopaba, Junior de Abreu Bento (PP).
Poucos habitantes - O mais curioso é que Canelinha, com menos de 13 mil habitantes, tenha recebido mais do que cidades muito mais populosas. Já Garopaba, com cerca de 30 mil habitantes, é top 5 entre as cidades mais contempladas por emendas em SC em 2024. A outra cidade com as contas rejeitadas pelo TCE-SC foi Anita Garibaldi, que também era governada pelo PL.
Vale lembrar que a bancada de SC na Câmara tem 6 deputados do PL e que as emendas parlamentares são instrumentos de baixa transparência fortalecidas pelo governo Jair Bolsonaro para barganhar apoio político. Agora, estão sob intenso escrutínio após o ministro do STF Flávio Dino exigir mais transparência na sua destinação. O destino das emendas é definido pelos parlamentares sem compromisso com o que é estabelecido no orçamento.
E Florianópolis, hein? - Semana passada também descobri que por um fio as contas de Florianópolis de 2023 também não foram rejeitadas. O Ministério Público de Contas recomendou a não aprovação, mas no fim o TCE-SC deu uma leve passada de pano e aceitou que estamos ainda sob um cenário pós-pandêmico. O relatório do órgão de controle descortina a má gestão do prefeito reeleito Topázio Neto, que tentou dizer que as críticas à sua gestão são coisas de quem não entende de orçamento. Quem parece não entender, para o nosso azar, é ele.
O parecer foi divulgado no final do ano passado e a divulgação pelas minhas redes conseguiu pautar a imprensa local. Acesse o relatório do TCE aqui.
4 - Craque do Jogo
Na semana em que um parlamentar extremista e detestável conseguiu viralizar um conteúdo fake e forçou um recuo do governo em uma medida anti-sonegação fica difícil pensar em um craque. Mas vamos prestar atenção neste jovem tenista brasileiro, que mesmo sendo derrotado no Australian Open está dando o nome internacionalmente. João Fonseca está perto de entrar no top 100 do ranking mundial aos 18 anos de idade.
(obs: não entendo nada de tênis e a última vez que assisti uma partida foi na era Gustavo Kuerten. Mas amo esportes e sou uma ávida consumidora de notícias, onde o nome de Fonseca vem despontando há algum tempo. Bora torcer, então!)
5 - Considerações afinais
Essa semana voltei ao trabalho, então estou de volta à rotina de conciliar minhas atividades remuneradas e não remuneradas. Com o aumento das minhas redes, tenho recebido diariamente muitas sugestões de pauta. Infelizmente não consigo dar conta de tudo e meu filtro sempre envolve aquelas sugestões em que posso usar dados públicos, verificar com minha humilde lupinha o que pode ser notícia.
Continuem enviando suas sugestões - foi de uma sugestão que cheguei ao parecer do TCE sobre as contas de Florianópolis - mas tenham paciência comigo caso não consiga me aprofundar de forma imediata e ágil. Meu sonho era uma equipe, uma redação, mas sigo remando só com meus bracinhos neste oceano largo e profundo.
Quero agradecer, no entanto, a inestimável colaboração de um amigo do Twitter que criou uma tabela incrível com todos os gastos parlamentares de 2024 para mim. Graças a ele eu consegui identificar que o Facebook recebe, sim, dinheiro público diretamente da cota parlamentar. É uma pena que as notas para as agências ainda sejam pouco transparentes e não nos permitam identificar outras forma de impulsionamento.
Semana que vem eu volto!
Olá! Pode me mandar e-mail: amanda.mir82@gmail.com
Oi, Amanda, preciso falar contigo em privado, como procedo?!